A 33ª Caminhada da Seca traz a reflexão sobre crise hídrica que afeta a região, apresentando o tema: Caminhada ao Campo Santo do Sertão, por água pra beber, por água pra viver.
A tradicional caminhada em memória das vítimas do campo de concentração de 1932 acontecerá no dia 08 de novembro, tendo início às 04:00.
Caminhada da Seca em Senador Pompeu - CE
Fram Paulo
Comunicador Popular CDDH-AC
Comunicador Popular CDDH-AC
Houve um tempo em que a seca era um “monstro” temido pelo
povo do sertão Semiárido. Nesse tempo não se ouvia falar em convivência. Foram
diversas as ações governamentais voltadas para o que se chamou de “combate à
seca”, através das quais foi criada a indústria da seca. Obras de açudagem,
frentes de serviços, distribuição de alimentos e muitas outras ações
assistencialistas.
Foi a indústria da seca que transformou o fenômeno
natural recorrente na região semiárida brasileira em “monstro”. Nesse contexto
vieram os modelos de obtenção de vantagens políticas, fazendo uso de programas
assistencialistas, bem como a justificativa para a construção de grandes obras
de açudagem e irrigação na região.
Sendo a seca um fenômeno natural cíclico, um longo
período de estiagem ocorreu na região no início da década de 30 do século
passado, ficando conhecida como a seca de 1932. Nesse ano, milhares de
sertanejos e sertanejas cearenses foram aprisionados (as) nos campos de
concentração em pontos estratégicos do Ceará, com o objetivo de impedir a
invasão da capital Fortaleza pelos flagelados da seca, como ocorrera em anos anteriores.
Um dos campos de concentração funcionou no município de
Senador Pompeu, no canteiro obras da paragem do Patu, obras que tiveram início
em 1919 e foram paralisadas em 1924. Mais de 16
mil pessoas foram confinadas em uma área de pouco mais de 3 km quadrados.
Milhares morreram, vítimas de doenças, maus tratos, higiene precária e fome.
Tudo planejado e patrocinado pelos governos da época.
Com o fim da grande seca, no ano de 1933, os sertanejos
voltaram para suas casas, seus lugares de origem. Mas cada sobrevivente levou
consigo as memórias do campo de dor e sofrimento. Ficou principalmente no
imaginário popular, através dos relatos dos sobreviventes, a história de uma
gente que teve seus direitos violados, colocados em situação de total
desfiguração do ser humano.
Foi através da memória dos sobreviventes e das
edificações construídas inicialmente para abrigar os engenheiros e operários
para construção da barragem do Patu, que o fato histórico não foi esquecido,
principalmente a religiosidade popular, em que há a existência do sentimento de
que o sofrimento purifica e eleva a alma ao plano da salvação. Criou-se no
imaginário popular da região que as almas da barragem são milagrosas.
As Santas Almas da Barragem, que obram milagres, que
intercedem pelo povo que sofre, que ensinam o caminho da fé e da esperança,
para que tal fato nunca mais venha acontecer nos sertões nordestinos. O
martírio coletivo criou um santo coletivo. AS ALMAS DO POVO, O SANTO DO POVO.
No ano de 1982, o padre Italiano Albino Donatti, recém-chegado a Senador Pompeu, chamou os
paroquianos para fazerem uma caminhada saindo cedo da manhã da Igreja Matriz
até o Cemitério da Barragem para homenagear os que morreram no campo de
concentração e refletir sobre a história.
A caminhada virou tradição. Todo segundo domingo de
novembro milhares de pessoas caminham em procissão até o cemitério onde é
celebrada uma missa em homenagem aos que sofreram no campo de concentração de
1932. O Cemitério da Barragem é considerado um campo santo para a comunidade e
alimenta a fé e esperança em melhores condições de vida, principalmente no que diz respeito ao acesso à água para beber e produzir.
A caminhada da Seca é um importante
patrimônio cultural de Senador Pompeu e carrega uma forte simbologia: chamar a
atenção dos governantes, assim como da própria população, para refletir e
buscar alternativas para se viver bem no Semiárido.
É importante também no sentido de manter viva a memória histórica, para não
esquecermos o sofrimento de tantas pessoas. Para que possamos garantir que
nunca mais um fato semelhante venha a acontecer.
É importante também pela
fé, pela devoção que a comunidade tem para com as almas da barragem. Tem um
ditado que diz: “santo de casa não obra milagre”. No caso de Senador Pompeu, as
santas almas da barragem obram milagre sim. É um caso peculiar em que o santo
é coletivo. O povo virou santo, o santo milagreiro. São as almas do povo que
intercedem pelo povo que clama por justiça, por vida digna no Semiárido.
Representa a luta por direitos fundamentais, pela justiça social, o acesso à
terra para morar e produzir, denuncia o modelo de desenvolvimento imposto pelos
governos e o agronegócio que prioriza o
lucro em detrimento da vida.
Assista ao documentário Caminhando ao Campo Santo
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