Nos meados dos anos 90, um grupo de pessoas formado por artistas, professores, estudantes universitários, fundaram a Equipe Cultural 19-22, com o objetivo de promover eventos artísticos e ações de preservação do Patrimônio Histórico da Barragem do Patu, casarões construídos pelos ingleses nas primeiras décadas do Século XX, que até então se encontravam esquecidos em meio ao sertão. O nome da equipe fazia referencia à data gravada na fachada do casarão principal “1922”. Tal patrimônio tem importância arquitetônica e histórica. Pois foi palco de uma grande tragédia, o campo de concentração de flagelados da seca no ano de 1932.
O trabalho desenvolvido pela Equipe Cultural 19-22 foi fundamental no sentido de chamar a atenção da comunidade para a importância da preservação do patrimônio da barragem e divulgação do acontecimento histórico que até então permanecia vivo apenas na mente dos sobreviventes do campo de concentração. Possibilitou a divulgação do fato que ganhou o Brasil e o mundo através da impressa. O história e os casarões da barragem passou a ser objeto de estudo, tema de monografias, inspiração para artistas.
A Equipe Cultural 19-22 promoveu diversos eventos para discutir a preservação e recuperação do patrimônio da barragem, procurando envolver a comunidade e o poder público, este último esteve sempre alheio, esquivando-se de suas obrigações para com a cultura de modo geral e a preservação do patrimônio histórico local. Foi necessário acionar a justiça para que o prefeito da época colocasse um vigia no sítio histórico, para coibir a ação de vândalos e surrupiadores de madeira e telha.
Assim como o patrimônio material, formado pelos casarões da barragem, a Equipe Cultural 19-22, também esteve empenhada em preservar o patrimônio imaterial, a fé e devoção da comunidade para com as santas almas da barragem, as almas do povo, o santo coletivo, o santo sem nome. Um fenômeno único, o povo reverenciando o próprio povo.
No inicio dos anos 70, alguns religiosos e pessoas da comunidade construíram o Cemitério da Barragem como um local simbólico para que os devotos das almas da barragem pudessem fazer suas orações, pagar suas promessas, depositar suas esperanças, pedir às almas do povo que intercedam pelo povo que sofre.
No início dos anos 80, o padre italiano Albino Donatt, logo que assumiu a paróquia percebeu a importância da devoção que seus paroquianos tinham pelas almas da barragem. Criou então uma caminhada em homenagem aos que sofreram e morreram no campo de concentração de 1932. Assim a caminhada da seca, virou tradição. Acontece todo segundo domingo de novembro saindo da Igreja Matriz até o cemitério da Barragem onde é celebrada uma missa. Durante a caminhada são lidos depoimentos de sobreviventes do campo de concentração.
A Equipe Cultural 19-22 sempre esteve envolvida na organização da caminhada juntamente com a paróquia e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro, procurando sempre divulgar, registrar por meio de foto e vídeo, fazer eventos culturais na semana que antecedia a caminhada.
O resultado do trabalho da Equipe até então, deu margem para uma profunda exploração do fato trágico pela mídia, pouco importando a luta pela preservação. Restou o descaso dos administradores da época que nem mesmo a lenta justiça fez valer o que manda as leis brasileiras. Restou o sonho de uma coletividade em ver o patrimônio de Senador Pompeu, tombado, restaurado e preservado. Restou a luta, restou a transfiguração de um patrimônio material e imaterial em um símbolo.
A vila dos ingleses como é conhecida pela comunidade, é hoje um ícone da história, do turismo, da cultura do município, o cemitério da barragem e a caminhada da seca, símbolos da fé, da esperança, de reflexões sobre o fato acontecido, para que se possa buscar caminhos no sentido de que nunca mais tais fatos venham acontecer no sertão. Foi necessário tanto sofrimento, tantas mortes, para se olhar em outras direções.
Toda a movimentação criada a partir da luta da Equipe Cultural 19-22 adormeceu por alguns anos. Instaurou-se um desanimo, pois se falou tanto e “nada” foi feito, io em termos práticos: tombamento, restauração e preservação.
Nos meados dos anos 2000, um grupo de jovens integrantes de um projeto cultural, resolveram trazer à tona a história do campo de concentração e da caminhada da seca, através de um filme intitulado “As Almas do Povo é o Santo do Povo”. O filme foi exibido nos bairros, escolas e distritos do município e estimulou a pesquisa por parte de professores e alunos.
Logo o Pároco local Pe. Carlos Roberto, que tinha assumido a paróquia havia pouco tempo, mostrou interesse pela história e foi um importante parceiro para a retomada da luta, ajudou a divulgar a Caminhada Seca que teve uma grande participação popular no ano de 2008.
Espontaneamente, nasceu a necessidade de retomada da luta, refazer os projetos, traçar novas metas e estratégias para a preservação do patrimônio da Barragem. Um importante mobilizador e militante cultural, membro da antiga Equipe Cultural 19-22, Dr. Valdecy Alves, propôs a criação de um Fórum permanente, para discutir e debater com a comunidade e ao Poder Público, alternativas e projetos de preservação do patrimônio material e imaterial. E assim foi criado o FÓRUM POPULAR PELA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO – ARTÍSTICO DA FÉ E MEIO AMBIENTE com a participação de ONGs, Igreja Católica, Escolas e pessoas físicas.
O Fórum tinha encontros mensais com a participação popular, sociedade civil organizada e militantes da cultura. A luta tomou novos rumos, a partir do aprendizado com os erros e acertos do passado. A nova dinâmica da luta buscava os objetivos práticos, definindo metas e estratégias focados no objetivo principal, a preservação do patrimônio.
Com as reuniões do Fórum, tomou-se conhecimento de duas propostas: uma da Igreja Católica em construir um santuário, espaço que seria um memorial, centro cultural e religioso; Outra da Prefeitura em construir um espaço de lazer ao lado do sangradouro da barragem, projeto que contemplaria a restauração de alguns casarões e preservação da vila dos ingleses.
Com relação ao projeto da Igreja Católica, o Fórum sugeriu que fosse apresentado um marco inicial, algo que favorecesse a participação popular e que fosse possível botar em prática em curto espaço de tempo. Por sugestão do Pe. Roberto o Fórum encampou uma campanha para a construção do monumento das caminhadas, uma cruz em metal de 11 metros de altura com um Cristo também de metal e uma base de concreto que foi inaugurado na 27ª caminhada da seca em novembro de 2009.
Em princípio foi importante fazer com que a comunidade participasse de alguma forma, pois não havia possibilidade de um projeto dessa natureza obter êxito sem o envolvimento da comunidade. Foi deflagrada então uma campanha para que a população contribuísse para a construção do monumento das caminhadas. As doações foram entregues diretamente na casa paroquial e depositadas em caixinhas espalhadas pelo comércio da cidade. Com o dinheiro arrecadado, a paróquia Nossa Senhora das Dores construiu o monumento das caminhadas. Quanto ao projeto proposto pela Prefeitura junto ao Ministério do Turismo, o Fórum realizou a primeira Audiência Pública para a prefeitura apresentar o projeto e a população participar questionando e apresentando propostas. A audiência aconteceu no dia 24 de julho de 2009 no centro pastoral, com a participação de 67 pessoas representantes de ONGs, professores, estudantes, artistas e militantes da cultura e representantes do Poder Público. Logo foram organizadas outras audiências públicas e nada foi apresentado de concreto pela Prefeitura Municipal de Senador Pompeu com relação ao projeto que diziam ter. Nem maquetes, nem orçamentos, nem cronogramas. Mais parecia um jogo de faz de conta. Enquanto isso ficam os casarões todos abandonados, uns caídos, outros chiqueiros de porcos, outros bares.
Por outro lado, o Fórum do Patrimônio Cultural de Senador Pompeu, através da Associação Comunitária dos Moradores do Sítio Barragem, associação que congrega as pessoas que ocupam os casarões históricos da barragem e terras que compreendem o sítio histórico, foi contemplada com o edital de Patrimônio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, na categoria educação patrimonial, com o Projeto Casarões em Foco: Educação Patrimonial Pela Arte. O projeto foi executado no período de 04 de julho a 28 de agosto de 2010, procurando chamar a atenção de toda a população de Senador Pompeu para a importância da preservação dos Casarões da Barragem.
Foram caminhos trilhados na luta pela preservação do patrimônio cultural da barragem. A sociedade organizada, debateu, apresentou propostas e participou, por entender que o poder público não deve definir políticas públicas sejam quais forem, sem consultar a sociedade, sem estimular a participação popular.
Mesmo depois de muitas lutas, o patrimônio histórico material da barragem do Patu, continua abandonado e sem perspectivas de ações que venham estabelecer a preservação restauração e conservação.
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